Altas Horas com Djavan: quando a nostalgia respira presente

Há artistas que desafiam o calendário: não soam “atuais” porque seguem uma moda, mas porque a própria obra cria o seu tempo. O Altas Horas do último sábado confirmou isso com Djavan. Não foi uma noite de lembranças — foi uma noite em que o passado, o presente e aquilo que ainda está por vir se sentaram lado a lado, como velhos conhecidos.

A cada introdução de violão, uma dobra no tempo: Lilás reacendeu delicadezas que resistem ao desgaste das décadas; Sina surgiu com o balanço que parece deslocar o ar do estúdio; Eu Te Devoro e Oceano lembraram por que a canção popular brasileira pode ser, ao mesmo tempo, simples na entrega e sofisticada na arquitetura. Em Djavan, a harmonia nunca é ornamento: é o caminho secreto que conduz a palavra para onde ela sempre pretendeu chegar, o afeto.

Júnior, Sheron, Gabriel, Fátima Bernandes no Altas Horas

O programa encontrou seu pulso no encontro. Serginho, mestre de cerimônias da escuta, abriu espaço para que o Brasil que cresceu com essas músicas desse rosto à memória. Fátima Bernardes trouxe lembranças de quem acompanhou gerações se apaixonando por esse repertório; Júnior, com a elegância do ex-jogador que conhece bem a cadência do jogo, reconheceu em Djavan o raro talento de transformar síncopa em poesia. Sheron Menezzes, fã assumida, deixou que a emoção dissesse o essencial: quando a música nos atravessa, não há técnica que dê conta do impacto só o silêncio depois do último acorde.

Em meio a depoimentos e canções, o ator Gabriel Leone subiu ao palco para uma homenagem delicada: interpretou um dos sucessos de Djavan com o respeito de quem sabe que mexe num patrimônio afetivo do país. Sem pirotecnia, privilegiando a palavra e o fraseado, Leone costurou sua presença à da plateia — foi menos performance, mais declaração. Naquele instante, a obra mostrou seu raio de alcance: atravessa gerações, linguagens e carreiras, e ainda assim preserva o núcleo de humanidade que a originou.

Talento no sangue: Djavan e a Trívia

Trívia no Altas Horas

E se a noite já era sobre permanência, ela ganhou uma imagem concreta quando Djavan se juntou à Trívia — a banda formada por dois de seus netos e seu filho mais novo. Parece mesmo que o talento corre na família: o trio traz produção de Max Viana, segundo filho de Djavan, operando o fino equilíbrio entre herança e invenção. A formação, Gabriel e B (netos, ambos com 19 anos) e Inas (filho caçula, 18) —não tenta “atualizar” Djavan no sentido superficial; prefere revelar, em novas texturas, a atualidade que sempre esteve ali.

Djavan no Altas Horas

É bonito notar como o timbre do clã encontra a voltagem certa para dialogar com o mestre sem mimetizá-lo. A batida abre espaço, o arranjo respira, e de repente o que se ouve é um ciclo que se renova: a canção, antes de tudo, como lugar de encontro. Não há nostalgia no sentido de saudade passiva; há continuidade. Essas músicas não envelheceram, nós é que amadurecemos dentro delas.

No fim, o Altas Horas funcionou como aula afetiva. Entre histórias, risos contidos e olhos marejados, o programa recordou uma lição simples e difícil: música popular é a arte de dizer o essencial com rigor. Em Djavan, o rigor é invisível, o que chega primeiro é a delicadeza. O resto, a gente só percebe quando tenta explicar por que, tantos anos depois, ainda apaga a luz da sala para ouvir um verso como se fosse a primeira vez.

Seja na homenagem de Gabriel Leone, seja no gesto de partilha com a Trívia, ficou a certeza: a música de Djavan não passa. Ela se renova feito maré boa, que sempre volta, nunca do mesmo jeito.

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